Na teoria


Maria Bonomi

Do grego Lithos (pedra), "poliautografia" foi o primeiro nome dado por Alois Senefelder à litografia, processo de impressão por ele descoberto por volta de 1796, muito embora desenhar sobre pedra não fosse um processo desconhecido, porém não com intenção de impressão em que a pedra viesse a servir de matriz.
Simon Schmidt, sacerdote e professor bávaro foi provavelmente o primeiro a explorar as possibilidades da pedra como matriz multiplicadora. Apoiou-se em velhos textos encontrados em Nuremberg que faziam referência á utilização da pedra. Schmidt fez experiências trabalhando com materiais gordurosos sobre a pedra-matriz, para produzir imagens de plantas, mapas, peças anatômicas, etc., que eram tratadas á maneira da água forte e impressas á mão.
Porém, coube a Alois Senefelder o mérito de ter equacionado e sistematizado os princípios básicos da impressão a partir da pedra. Foi em 1796 em Munique, que Senefelder, autor de teatro de sucesso discutível, na procura de meios de impressão para seus textos e partituras, uma vez que não encontrava entusiasmo por parte dos editores, acabou por inventar um processo químico revolucionário, que permitia uma impressão econômica e menos morosa que os procedimentos gráficos da época. A invenção abre novos caminhos para a produção artística como significa também um enorme passo na evolução da impressão de caráter comercial.
Em relação á matriz, o princípio da litografia difere dos outros processos gráficos convencionais: não há incisão, cortes ou relevos. A imagem à semelhança de um desenho sobre papel, fica na superfície. A imagem é fixada na matriz através de processo químico. A impressão é plana. Enquanto na impressão do metal a matriz é prensada entre dois cilindros, na litografia a pedra sobre a mesa desliza sob a pressão de uma trave chamada de "ratora".
Como ator e autor, Senefelder ficou altamente motivado pelas vantagens comerciais do seu processo e imediatamente estabeleceu contato com Philipp André, conhecido editor inglês de partituras musicais. Em 1800-1801 foi para Londres onde deu assistência á André para a instalação de uma prensa litográfica e introduzir aos artistas o novo processo. Foi também na Inglaterra que se deram as primeiras experiências artísticas com a utilização da litografia. Em 1803, André publica um portfólios com uma dúzia de trabalhos de artistas ingleses sob o título de 'SPECIMENS OF POLYAUTOGRAPHY'. Todas as imagens foram trabalhadas com pena e tinta litográfica, embora o lápis litográfico já fosse utilizado na época. A palavra POLYAUTOGRAPHIA significava a produção de múltiplas cópias de manuscritos e desenhos originais.
O processo ganha popularidade em Londres e Paris em 1802, em Viena em 1806, em Roma e Milão em 1808 e na América em 1828. Estes centros já operavam com um caráter industrial, várias oficinas se utilizavam unicamente do processo litográfico. Inicialmente dedicadas à impressão de partituras musicais em substituição as cópias manuscritas. O alto rendimento do processo levou os impressores a incluírem impressões de rótulos, cartazes, panfletos, etc. Perceberam inclusive que o processo permitia reproduções de obras célebres em substituição às gravuras feitas pelos burilistas, prática comum desde o século XVI. Muito em breve os artistas começam a perceber as riquezas do processo. A litografia de reprodução segue seu curso até o aparecimento de processos foto-mecânicos, como o off-set. Entretanto a conquista da litografia como um meio de multiplicação de originais, que oferece ilimitados recursos do ponto de vista artístico e expressivo, se incorpora como uma prática usual à obra dos mais destacados artistas até hoje.
A Litografia no século XIX e alguns de seus melhores representantes

Dos artistas românticos do século XIX, Gericault e Delacroix se destacavam na apropriação da linguagem da litografia. Trabalhando em preto e branco, a litografia permitiu caracterizar os elementos dramáticos nítidos nas suas obras pictóricas.
Em 1919 Cardano fundou a primeira oficina litográfica em Madrid, seguida de outra em Barcelona, através da qual Goya entrou em contato com nova técnica. Gravador experiente em metal, percebeu que a litografia poderia introduzir aspectos inovadores não só do ponto de vista da linguagem, como de vigor expressivo.
Entre os artistas que usaram a litografia como trincheira de combate para a crítica, documentação da vida cotidiana parisiense e francesa, desde anotação de costumes, até denuncias de caráter político, Gavarni (pseudônimo) e Daumier são sem dúvida os representantes mais típicos. Daumier tratou a litografia como um meio mais adequado para o seu exercício na imprensa diária ou periódica. Colaborou no jornal Le Charivari, la caricature com peças que na época tinham o valor de atualidade crítica, mas que fora deste contexto e distante no tempo, nada perderam em seu significado artístico. A essência do seu trabalho está documentada nas suas 4.000 litografias além das 2.000 xilogravuras e dos desenhos pinturas e esculturas.
Manet, não escapou a tentação da exploração dos meios litográficos, trabalhou em papel transporte, experimentando várias técnicas no modo de trabalhar na pedra. Corot, Fantin-Latour, Degas, Whistler, assim como vários dos mais importantes representantes do Impressionismo, fizeram suas incursões no processo litográfico. Pissaro levou para a pedra suas paisagens e cenas campestres. Renoir acrescentou a sua obra gravada cerca de meia centena de peças litográficas de indiscutível poesia e qualidade gráfica. Cezanne também não resistiu a tentação da utilização da litografia. "As banhistas" são um belo testemunho




Odilon Redon, contemporâneo dos Impressionistas, segue a sua própria lógica. Suas gravuras são ricas com uma visão muito pessoal de um universo de sonho. Ele mesmo declarou, "...deixo livre a minha imaginação no sentido de utilizar tudo o que a litografia pode me oferecer. Cada uma das muitas peças é o resultado de uma procura apaixonada do máximo que pode ser extraído da conjugação do uso do lápis, papel e pedra".
Eugene Carriére por volta de 1890 começa uma série de litos monocromáticas, de retratos e estudos, todas modalidades de um modo muito especial com claros-escuros de raro requinte gráfico.
Muito embora os meios técnicos de produzir litografias em cor já tivessem sido experimentados e demonstrados por Senefelder, as experiências nesta direção não renderam muito.
Foram os Impressionistas que preocupados com o problema da cor, deram um enorme impulso neste sentido. Toulouse Lautrec documenta a vida parisiense através dos personagens da vida noturna, dos teatros, café, concerto, etc. Pôs a litografia a serviço do anúncio destas atividades, com isto recupera de modo magistral um veículo que naquela época encontra-se debilitando o cartaz. Trabalhava diretamente na pedra. Desenvolveu vários procedimentos, como tinta salpicada aliada a áreas chapadas de grande peso e intensidade cromática.
Com Lautrec se inicia a era do cartaz tratado com grande rigor artístico.
Não podemos deixar de anotar a enorme contribuição de Eduard Munch, que fez da litografia um meio adequado para fazer passar seu universo de angustia e melancólia tratando aspectos particulares de estados psicológicos do espírito humano. Usando gamas de cores rebaixadas e distorções lineares nos legou uma soberba obra litográfica.
No começo do século XX a litografia sofre uma revitalização com o Expressionismo e especialmente pelo empenho de Ambroise Vollard, um exemplo de editor e empreendedor. Iniciou em Paris uma arrojada empreitada em termos de edição de obras gráficas, que em trinta anos envolveram quase todos, senão todos os artistas significativos da época. Com eles editou livros, portfólios de uma qualidade técnica artística nunca antes alcançada.
Na Alemanha os editores Kurt Wolff e Bruno Cassirer derem extraordinário impulso, criando novos interesses para os artistas, através da utilização das técnicas litográficas. Começando com Max Liebermann, a pedra litográfica tornou-se fonte de renovação do ponto de vista da criação artística, e depois com Max Becbmann, Ernst Barlach, Kathi Kollwitz, Kokoschka e tantos outros, a litografia é consagrada como uma conquista a serviço da expressão artística.
Desde 1905 os artistas ligados ao DIE BRUCKE, entre eles Ernst Kirchner, que produziu cerca de 500 litografias monocromáticas e em cores, deram um impulso na divulgação e expansão da litografia.
Instala-se uma enorme avidez de produção e de coleções.
Daí para frente artistas gravadores e pintores não cessam suas pesquisas em torno das possibilidades gráficas do processo de Senefelder. Picasso foi indiscutivelmente um dos mais versáteis utilizadores desta técnica. Sua primeira liberdade em relação ao processo gráfico criou verdadeiros desafios do ponto de vista da utilização tradicional dos meios técnicos. Contemporaneamente os artistas americanos, diversificando e ampliando seu vocabulário artístico.
Convêm anotar a importância de Posada no México, que se valeu da litografia, com uma atitude similar à de Daumier. Posada militava na imprensa e seus trabalhos o mesmo caráter de crítica e anotação dos fatos do cotidiano, sociais, políticos ou de costume
s.
PROCESSO LITOGRÁFICO
O processo litográfico é uma aplicação prática do fenômeno de incompatibilidade existente entre gordura e água.
Na primeira etapa da litografia, o artista cria a sua obra em pedra calcária, utilizando-se de um material gorduroso (crayon litográfico, por ex.), terminado o desenho pelo artista, o impressor aplica uma solução de goma arábica e ácido nítrico à pedra. Esta solução é higroscópica e acumula-se em todas as áreas da pedra deixadas em branco, fazendo com que haja um aumento de retenção de água pela pedra. A matriz agora está dividida em duas áreas : a (branca) que retem água e repele gordura , e a (desenhada) que agrega gordura e repele água.
Limpa-se a superfície com removedor par eliminar o pigmento usado no desenho preservando-se apenas a gordura. Assim, a imagem está impregnada na superfície da pedra. Em seguida, a superfície da pedra é umidecida com água a qual separa-se da imagem gordurosa mas permanece sobre o restante da pedra. A tinta litográfica oleosa é aplicada com um rolo sobre a superfície da pedra e as partes úmidas repelem a tinta, que só adere ao desenho gorduroso. Cobre-se a pedra com o papel e passa-se sob pressão em prensa especial. Repete-se toda a operação (lavagem, entintagem, impressão), tantas vezes quantas forem as cópias necessárias.
O relacionamento entre o artista e o impressor é muito mais do que a simples soma de energias criativas do artista e da capacidade técnica do impressor. No ateliê litográfico eles trabalham em grande intimidade e compartilham de uma mesma intenção. A essência da colaboração é o respeito mútuo. Apesar da complexa tecnologia da técnica litográfica ela é uma arte, não uma ciência, por isso, respeito mútuo, adaptabilidade e cooperação são necessárias de todos os participantes.
Qualquer forma de expressão artística - seja ela pintura, escultura, música, desenho, poesia ou gravura, pode ser tratada de duas maneiras: como um processo "técnico-mecânico" de trabalho ou como "uma linguagem" específica de expressão. Esta diferenciação é o que caracteriza a obra de arte, a coisa feita digna, consciente, clara e definida.
Não existem técnicas nobres, ou melhor: o material usado não implica em qualidade artística, o que enobrece é a liberdade de criação que permite o uso consciente e total dessa potencialidade.
Pedra, madeira, alumínio, cobre, óleo, aquarela, som ou palavra, são simplesmente recursos utilizáveis.

Fonte: http://www.glatt.com.br/tec_lito.asp
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